Alguns ditados populares têm lá sua verdade ou sabedoria implícita, dar crédito às histórias da vovó deve ser levada sempre a sério, elas já diziam: “briga de marido e mulher ninguém mete a colher”.
Há muito se sabe que os casais funcionam sempre como cúmplices nas dores ou nas delicias da vida. É comum não entendermos porque algumas pessoas ficam juntas apesar de parecer que nada combina entre elas.
O que será que faz com que nós, seres humanos, tenhamos essa tendência nas relações?
É fato que a monogamia ou a fidelidade eterna não é da nossa natureza. A grande maioria das civilizações humanas é mesmo poligâmica. Por que, então, permanecemos tanto tempo em alguns encontros amorosos? Mesmo naquelas relações truncadas e desprazerosas com muitos anos de existência? Como e porque resistem?
Engana-se quem pensa que é uma questão de amor-romântico, aliás, já deixamos bem claro em outras oportunidades o quanto essa história é uma grande ilusão (pra não dizer bobagem). Para aqueles mais passionais que sempre acreditam que há uma vítima inocente e um agressor maquiavélico nessas brigas de casais, sinto muito, não é assim tão simples ou claro.
O fenômeno é bem mais complexo detalhadamente construído com encaixes firmes e consolidados. Acredite, é uma construção minuciosa e gradual. Para melhor compreensão desse processo é necessário também ler o artigo “A escolha do parceiro amoroso”, já publicado anteriormente. Enfim, apesar de todos os fatores que determinam nossas escolhas amorosas, o que queremos esclarecer nesse momento é a longa duração de alguns encontros amorosos, a despeito do desprazer da convivência. Ou seja, porque construímos tantas relações amorosas sadomasoquistas (baseadas no sofrimento do outro)?
Como já dissemos no artigo sugerido anteriormente, quanto a nossa escolha de parceiro amoroso,“esse processo busca construir uma cumplicidade inconsciente onde possa lidar com suas angústias, defesas, desejos, sonhos e necessidades, além de estar no mundo o mais satisfeito possível. Nosso parceiro, é, antes de qualquer coisa, um cúmplice da heroica caminhada de ser e estar na realidade. Também é fato que estes encaixes dos modelos construídos internamente são inicialmente inconscientes e disfarçam dificuldades e se propõem a elaborar conflitos não resolvidos”. Nossa opção por vivenciar o “amor a dois” é determinada pela necessidade de construir estratégias para (con) viver na realidade limitante.
A velha máxima da psicanálise de “obter prazer e evitar o desprazer” a todo custo em um cotidiano que inevitavelmente não nos facilita os objetivos, pelo contrário. Assim procuramos o outro oferecendo o “delito” da convivência satisfatória enganando-se e sendo enganado que essa satisfação um dia será plena.
Dito dessa maneira, podemos ficar com a impressão de que estamos fadados sempre ao fracasso e a desilusão. Não vejo assim: desde que tenhamos a coragem de olhar para nossas limitações, a humildade de aceitar nossa condição inacabada (bem como a do outro), além da vontade de se reinventar e saborear as delicias das redescobertas, entendo que essa tensão a dois pode nos impulsionar ao crescimento e a busca diária pelo algo mais. Cá entre nós, a tal da plenitude me parece muito chata e sem graça. Essa aventura nos dá movimento, sabores e vida.
É claro e evidente que neste processo há o risco das nossas defesas internas se sobressaírem. O medo do novo quase sempre assusta e se vier do “estar com” o outro então, apavora. Ao invés da coragem para olhar a nós mesmo e nossas limitações, encaramos esse outro culpando-o por não compreendê-las; ao contrário do aceitar com humildade o inacabado, teimamos em pedir sempre mais (principalmente desse outro) e abandonamos a vontade da reinvenção e nos entregamos às dores da mesmice e da repetição. Dai, quase literalmente “morremos” de raiva do outro. Por conta dela (a raiva) e do medo da vida nos mantemos convivendo (pelo sofrimento). E assim estendemos por anos alguns casamentos sempre em “lua de fel”.
Voltando a verdade da vovó, antes de precipitadamente, daqui pra frente, você julgar algumas “brigas de casais” e sair por ai defendendo um ou outro. Ou mesmo, olhar para alguns encontros esquisitos sem entender porque estão juntos, nunca se esqueça: todos os fenômenos a dois, são construídos a dois.
Até porque, “quando um não quer... dois não brigam”. Enfim, como eu disse antes, todo ditado tem lá sua sabedoria.